sexta-feira, 20 de julho de 2007

Vamos Falar de Ética

O título do programa desenvolvido pela Junior Achievement é muito sugestivo, considerando-se, principalmente, o contexto atual.

Este é um dos tantos programas da Junior Achievement, os quais, em sua maioria, tratam de empreendedorismo e de negócios, temas abordados desde o ensino fundamental. Surpreendemo-nos com crianças de 11 anos que abordam assuntos como marketing e propaganda com a desenvoltura de um adulto. Sempre acreditamos que eles  não se encontram preparados para a abordagem de tais temas. E sempre nos enganamos.

O mesmo acontece com o programa “Vamos Falar de Ética”. A forma como foi concebido o torna agradável e dinâmico. Costumamos falar que o programa aborda a ética na prática. Ou seja: são abordadas e discutidas situações do dia-a-dia, ações que não necessitam discussões filosóficas para avaliarmos se são éticas ou não. Muitas vezes estamos tão acostumados em lidar com certas situações que nos exigem rápidas decisões, e que exigem uma reflexão ética, que nem nos apercebemos o peso que elas representam, ou a importância para a construção do nosso caráter.

Os jovens, mais uma vez, nos surpreendem. O programa é destinado a estudantes do ensino médio, do 1º ao 3º ano, que discutem questões como compra de dvd piratas, a prática da cola nas provas, de furar a fila em busca de uma vaga na escola, de obter, de forma escusa, atestado médico para justificar faltas, e vai por aí. Para eles está bem clara a distinção entre o certo e o errado. E o programa é importante porque coloca às claras esses pequenos (pequenos?) atos ilícitos que podemos praticar no dia-a-dia, e que nos colocam frente a decisões que mostrarão a base do nosso caráter.

O assunto vem bem a propósito, diante da constatação de práticas fraudulentas dos nossos governantes, em todos os poderes, e da forma imoral e/ou amoral com que abrem suas caixas negras, provocando um misto de arrependimento, raiva e desprezo nos eleitores, mesmo que esses personagens grotescos não tenham recebido seu voto. Afinal, é o País que está sendo ferido. Ao mesmo tempo, podemos considerar que cada personagem maculado que surge contribui de forma decisiva e inequívoca para denegrir a imagem que queremos construir do Brasil no mundo. Temos certeza, também, que esses personagens contribuem para a construção do inconsciente coletivo, e com seu exemplo, podem atordoar e distorcer a mente em construção de jovens que, logo, logo, deverão decidir o futuro de uma família, de uma empresa, de uma comunidade.

O programa “Vamos Falar de Ética”, considerando o pouco tempo de aplicação (5h/aulas) se propõe a abrir uma linha de discussão que poderá ser ampliada em sala de aula, nas demais disciplinas do currículo, visto que o tema ética, se não for o título de uma disciplina, perpassa todas as demais. Em algumas escolas o tema ética está sendo discutido nas aulas de filosofia, ensino religioso, português e sociologia. Ouvi o depoimento de um professor de Português, com 20 anos de atuação no ensino público, que fez questão de assistir ao debate dos estudantes e considerou oportuna continuar a discussão em sua disciplina, pois era tópico das aulas daquela semana.

Para os voluntários que aplicam o programa tem sido uma oportunidade de solidificar seus conceitos éticos, rever seus valores e retornar ao seu âmbito profissional revigorados, abertos e dispostos a reafirmar a proposta que o título propõe: Colegas, amigos, vamos falar de ética! Pois sempre é tempo e oportuno relembrar o que ouvimos de nossos pais, de nossos mestres e de orientadores. Sempre é válido analisar e rever nossa escala de valores. E a todo o momento devemos reafirmar nosso propósito de contribuir para uma visão ética e moral dos nossos jovens, pois são raras as oportunidades de entrarmos em uma sala de aula, com adolescentes de 15, 16 e 17 anos, podendo abrir uma discussão saudável e, muito mais, obtermos a oportunidade de ouvi-los, para depois levar conosco pequenas histórias e depoimentos de quem pensa e que, talvez, pensássemos que não pensavam...


Julho de 2007

Olívia Völker Rauter
Executiva da Junior Achievement do DF

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Ética e Moral - Vamos Falar de Ética

Considerando a tensão de uma outra dualidade, e ética e a moral. Talvez a etimologia das palavras ética e moral iluminem essa complexidade.

Ethos - ética, em grego - designa a morada humana. O ser humano separa uma parte do mundo para, moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protetor e permanente. A ética, como morada humana, não é algo pronto e construído de uma só vez. O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para si.

Ético significa, portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente para que seja uma moradia saudável: materialmente sustentável, psicologicamente integrada e espiritualmente fecunda.

Na ética há o permanente e o mutável. O permanente é a necessidade do ser humano de ter uma moradia: uma maloca indígena, uma casa no campo e um apartamento na cidade. Todos estão envolvidos com a ética, porque todos buscam uma moradia permanente.

O mutável é o estilo com que cada grupo constrói sua morada. È sempre diferente: rústico, colonial, moderno, de palha, de pedra... Embora diferente e mutável, o estilo está a serviço do permanente: a necessidade de ter casa. A casa, nos seus mais diferentes estilos, deverá ser habitável.

Quando o permanente e o mutável se casam, surge uma ética verdadeiramente humana.

Moral, do latim mos, mores, designa os costumes e as tradições. Quando um modo de se organizar a casa é considerado bom a ponto de ser uma referência coletiva e ser reproduzido constantemente, surge então uma tradição e um estilo arquitetônico. Assistimos, ao nível dos comportamentos humanos, ao nascimento da moral.

Nesse sentido, moral está ligada a costumes e a tradições específicas de cada povo, vinculada a um sistema de valores, próprio de cada cultura e de cada caminho espiritual.

Por sua natureza, a moral é sempre plural. Exis­tem muitas morais, tantas quantas culturas e estilos de casa. A moral dos yanomamis é diferente da moral dos garimpeiros. Existem morais de grupos dentro de uma mesma cultura: são diferentes a moral do empresário, que visa o lucro, e a moral do operário, que procura o aumento de salário. Aqui se trata da moral de classe. Existem as morais das várias profissões: dos médicos, dos advogados, dos comerciantes, dos psicanalistas, dos pa­dres, dos catadores de lixo, entre outras. Todas essas morais têm de estar a serviço da ética. De­vem ajudar a tornar habitável a moradia humana, a inteira sociedade e a casa comum, o planeta Terra.

Existem sistemas morais que permanecem inalterados por séculos. São renovadamente reproduzidos e vividos por determinadas populações ou regiões culturais. Assim, a poligamia entre os árabes e a monogamia das culturas ocidentais. Por sua natureza, a moral se concretiza como um sistema fechado.

De que forma se articulam a ética e a moral? Respondemos simplesmente: a ética assume a moral, quer dizer, o sistema fechado de valores vigentes e de tradições comportamentais. Ela res­peita o enraizamento necessário de cada ser humano na realização de sua vida, para que não fique dependurada nas nuvens.

Mas a ética introduz uma operação necessária: abre esse enraizamento. Está atenta às mudanças históricas, às mentalidades e às sensibilidades cambiáveis, aos novos desafios derivados das transformações sociais. Ela impõe exigências a fim de tornar a moradia humana mais honesta e saudável. A ética acolhe transformações e mudan­ças que atendam a essas exigências. Sem essa abertura às mudanças, a moral se fossiliza e se transforma em moralismo.

A ética, portanto, desinstala a moral. Impede que ela se feche sobre si mesma. Obriga-a à constante renovação no sentido de garantir a habitabi­lidade e a sustentabilidade da moradia humana: pessoal, social e planetária.

Concluindo, podemos dizer: a moral repre­senta um conjunto de atos, repetidos, tradicionais, consagrados. A ética corporifica um conjunto de atitudes que vão além desses atos. O ato é sempre concreto e fechado em si mesmo. A atitude é sempre aberta à vida com suas incontáveis possi­bilidades. A ética nos possibilita a coragem de abandonar elementos obsoletos das várias morais.Confere-nos a ousadia de assumir, com respon­sabilidade, novas posturas, de projetar novos va­lores, não por modismo, mas como serviço à moradia humana.

Não basta sermos apenas morais, apegados a valores da tradição. Isso nos faria moralistas e tradicionalistas, fechados sobre o nosso sistema de valores. Cumpre também sermos éticos, quer di­zer, abertos a valores que ultrapassam aqueles do sistema tradicional ou de alguma cultura determinada. Abertos a valores que concernem a todos os humanos, como a preservação da casa comum, o nosso esplendoroso planeta azul-branco. Valores do respeito à dignidade do corpo, da defesa da vida sob todas as suas formas, do amor à verdade, da compaixão para com os sofredores e os indefesos. Valores do combate à corrupção, à violência e à guerra. Valores que nos tornam sensíveis ao novo que emerge, com responsabilidade, serieda­de e sentido de contemporaneidade.

Há pessoas que insistem em morar em suas casas antigas, sem delas cuidar e sem adaptá-las às novas necessidades. Elas deixam de ser o que de­veriam ser: aconchegantes, protetoras e funcio­nais. É a moral desgarrada da ética. A ética convida a reformar a casa para torná-la novamente caloro­sa e útil como habitação humana. Como o filóso­fo grego Heráclito dizia: "a ética é o anjo protetor do ser humano".

Por essa atitude ética, os atos morais acompa­nham a dinâmica da vida. A moral deve renovar­-se permanentemente sob a orientação e a hege­monia da ética. Cabe à ética garantir a moradia humana, sob diferentes estilos, para que seja efe­tivamente habitável.

*Texto retirado do Livro "A águia e a galinha" de Leonardo Boff
Ed. Vozes - Págs. 90-96

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Ética - Vamos Falar de Ética

“Nenhum homem é uma ilha”. Esta famosa frase do filósofo inglês Thomas Morus, ajuda-nos a compreender que a vida humana é convívio. Para o ser humano viver é conviver. É justamente na convivência, na vida social e comunitária, que o ser humano se descobre e se realiza enquanto um ser moral e ético. É na relação com o outro que surgem os problemas e as indagações morais: o que devo fazer? Como agir em determinada situação? Como comportar-me perante o outro? Diante da corrupção e das injustiças, o que fazer?

Portanto, constantemente no nosso cotidiano encontramos situações que nos colocam problemas morais. São problemas práticos e concretos da nossa vida em sociedade, ou seja, problemas que dizem respeito às nossas decisões, escolhas, ações e comportamentos - os quais exigem uma avaliação, um julgamento, um juízo de valor entre o que socialmente é considerado bom ou mau, justo ou injusto, certo ou errado, pela moral vigente.

O problema é que não costumamos refletir e buscar os “porquês” de nossas escolhas, dos comportamentos, dos valores. Agimos por força do hábito, dos costumes e da tradição, tendendo à naturalizar a realidade social, política, econômica e cultural. Com isto, perdemos nossa capacidade crítica diante da realidade. Em outras palavras, não costumamos fazer ética, pois não fazemos a crítica, nem buscamos compreender e explicitar a nossa realidade moral.

Na vida pública, exemplos é o que não faltam na nossa história recente: “anões do orçamento”, impeachment de presidente por corrupção, compras de parlamentares para a reeleição, os medicamentos, máfia do crime organizado, desvio do Fundef, etc. etc.

Não sem motivos fala-se numa crise ética, já que tal realidade não pode ser reduzida tão somente ao campo político-econômico. Envolve questões de valor, de convivência, de consciência, de justiça. Envolve vidas humanas. Onde há vida humana em jogo, impõem-se necessariamente um problema ético. O homem, enquanto ser ético, enxerga o seu semelhante, não lhe é indiferente.